Shoftim

25/08/2014 22:05

Shofetim (Devarim 16:18-21:9) trata primeiramente dos mandamentos a respeito da criação de um sistema de liderança na Terra de Israel, começando com a designação de cortes, juizes e oficiais em cada cidade. Após esboçar o processo de julgar um idólatra, a Torá ensina que a pena de morte deve ser imposta a qualquer erudito que pronunciar uma decisão contra o Grande Sanhedrin (Suprema Corte de 71 juizes) em Jerusalém, não importa o quanto sejam notáveis os eruditos envolvidos na disputa. 

O povo judeu recebe ordens de requisitar um rei assim que estiver instalado em Israel. São relacionados alguns dos presentes especiais que devem ser dados aos cohanim, sacerdotes. 
Após descrever a natureza da profecia, a Torá repete as leis do Ir Hamiklat, cidade de refúgio para assassinos acidentais, e descreve o caso judiciário especial de Edim Zomemim, testemunhas conspiratórias. 

A Torá então fala de vários aspectos da conduta da nação durante a guerra, dizendo-lhes para não temer os inimigos, e relacionando aquelas pessoas que estão isentas do serviço militar. Deve-se primeiro dar ao inimigo a oportunidade de paz, e o povo judeu deve ser cuidadoso para não destruir nenhuma árvore frutífera durante a batalha. 

A porção da Torá conclui com o caso do assassinato não resolvido e com o ritual da eglá arufá, a novilha decapitada, que serve como expiação para o povo das cidades vizinhas por não terem impedido o assassinato

A alegria de uma mitsvá

Olhando pela janela, Reb Zussia de Anipoli viu certa vez um cortejo de casamento passando em frente de sua casa. Imediatamente, ele saiu e dançou na rua com grande júbilo perante os noivos. Quando voltou para casa, sua família disse-lhe que não achavam distinto que ele dançasse na rua somente por causa de um casamento. 

"Deixem-me contar uma história a vocês" – disse Reb Zussia. "Quando eu era jovem, fui aluno de Reb Yechiel Michel, o Maguid de Zlotchov. Uma vez ele me repreendeu muito duramente. Mais tarde, ele me procurou para desanuviar a situação, e disse: "reb Zussia, perdoe-me por minhas palavras duras."

"'Rebe' – respondi – 'eu o perdôo.'

"Antes que eu fosse dormir, ele voltou, dizendo: 'Reb Zussia, perdoe-me!'

"'Rebe, eu o perdôo' – assegurei novamente a ele.

"Naquela noite, quando me deitei para dormir, mas ainda estava acordado, o pai de meu Rebe, Reb Yitschac de Drohovitch, veio do Mundo Acima para ver-me, e disse: 'Deixei somente um filho no Mundo Abaixo, um precioso filho. Você quer destruí-lo por que ele o insultou?'

"Mas Reb Yitschac!' protestei – 'já perdoei seu filho com todo meu coração e minha alma! O que mais devo fazer?'

"'Este não é um perdão perfeito' – disse ele. 'Se me acompanhar, eu lhe mostrarei como perdoar.'
"Eu o segui, até que chegamos ao micvê local. Ali ele me disse para mergulhar três vezes, e para dizer a cada vez que eu perdoava seu filho. Saindo do micvê, vi uma luz tão brilhante irradiando do rosto de Reb Yitschac que eu não conseguia olhar para ele. Quando perguntei de onde ele viera, ele me disse que durante toda a vida tinha sido cuidadoso em observar as três coisas às quais o sábio talmúdico Rabi Nechunya ben HaKanah atribuía sua longa vida:

'Nunca tentei receber honras às custas da degradação de outra pessoa; jamais fui dormir sem perdoar a todos por qualquer ofensa naquele dia; e tenho sido generoso com meu dinheiro.'
Reb Yitschac acrescentou que, por meio da alegria, estas três coisas que ele tinha conquistado também poderiam ser atingidas. "Portanto" – concluiu Reb Zussia para sua família – "quando vi o cortejo de casamento passando em frente de nossa casa, corri para tomar parte na alegria da mitsvá."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na Porção desta semana da Torá, Shofetim, lemos sobre as cidades de refúgio, às quais um homem que tivesse matado involuntariamente poderia fugir, encontrar abrigo e expiar por suas falhas.

Acabamos de entrar em Elul, o mês no qual esta porção é sempre lida. Elul é no "tempo" aquilo que as cidades de refúgio eram no "espaço". É um mês de refúgio e arrependimento, uma época protegida na qual a pessoa pode afastar-se das falhas de seu passado e d edicar-se a um futuro novo e santificado.

Embora todas as cidades de refúgio devessem estar na Terra de Israel, não estavam todas no mesmo território. Havia três em Israel propriamente dito – a Terra Santa. Havia três na Transjordânia, onde, segundo o Talmud, "o assassinato involuntário era comum." E, na Era Vindoura, "o Eterno teu D'us ampliará tuas fronteiras", três mais serão providenciadas, na terra recém-ocupada.

Isso significa que todo nível de espiritualidade tem seu próprio refúgio, desde a Transjordânia relativamente sem lei até a Terra Santa, e mesmo na Era Vindoura. E isso é verdadeiro, tanto espiritual como geograficamente. A cada estágio da vida religiosa de um homem existe a possibilidade de alguma falta pela qual deve haver refúgio e expiação. Mesmo que ele nunca desobedeça à vontade de D'us, talvez ele ainda não tenha feito tudo ao seu alcance para aproximar-se de D'us. Esta é a tarefa de Elul. É um tempo de auto-exame, quando cada pessoa deve perguntar-se se aquilo que realizou foi tudo o que poderia ter realizado. E caso contrário, deve se arrepender, e esforçar-se tendo em vista um futuro de maiores realizações. Seja um homem de negócios ou um erudito, aquele que viveu no mundo e que passou seus dias sob a canópia da Torá – ambos devem fazer de Elul um tempo de auto-exame e refúgio. 

Esta é a maneira de o mundo ocidental fazer Elul – o mês do alto verão – um tempo de afastamento do estudo. O caso deveria ser o oposto. Está acima o tempo todo para auto-exame, um tempo de mudar a própria vida. E o lugar para isso é a cidade de refúgio, na Terra Santa, o que para nós significa, em um lugar da Torá. Cada judeu deveria guardar Elul, ou pelo menos a partir do 18º dia em diante (os últimos 12 dias, um dia para cada mês do ano), ou de qualquer modo os dias em que são recitadas as selichot, e fazer seu refúgio num local da Torá.

Um refúgio é um lugar para o qual alguém foge; ou seja, onde alguém deixa de lado seu passado e constrói um novo lar. Elul é o funeral do passado em benefício de um futuro melhor. E é a preparação necessária para as bênçãos de Rosh Hashaná, as promessas de plenitude e realização no ano vindouro.

De Estudos da Torá, por Rabi Jonathan Sacks, 
adaptado das obras do Lubavitcher Rebe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Criando um receptáculo

 
 
 
 
 
 

O que é seu ninguém tira. Às vezes estas palavras ou algo com o mesmo sentido é dito com um olhar sério ou com o dedo em riste. Outras vezes, a declaração pretende assegurar que tudo (de bom) que estiver destinado a você, você receberá; ninguém pode tirar de você aquilo que lhe está destinado.

Um de nossos grandes sábios, Ben Azzai, declarou no Talmud: "Você será chamado por seu nome, sentará em seu lugar, receberá aquilo que é seu. Ninguém toca naquilo que está destinado a outro. Nenhum reino toca o vizinho, nem mesmo num fio de cabelo." (Yoma 38 a-b).

Aquilo que está destinado a ser seu, será seu. Isso se aplica a encontrar a alma gêmea, receber promoções e bônus, figurar no quadro de honra.

Então de que adianta – perguntaria você – tentar? Para que se esforçar, trabalhar duro e gastar o tempo em algo que está "vindo para você", de qualquer forma?

A declaração de Ben Azzai não pretende nos encorajar a permanecer sentados, relaxando, esperando que tudo aconteça. Pois, para receber realmente tudo que nos pertence, é preciso trabalhar. Às vezes este trabalho é físico. Às vezes é intelectual. O tempo todo é espiritual: prece, auto-desenvolvimento, mitsvot. Todos estes esforços ajudam a pessoa a aprofundar e ampliar o "recipiente" no qual D’us pode "despejar" as bênçãos Divinamente pré-ordenadas.

Mas para começar, deve-se fazer um "recipiente" para as próprias bênçãos Divinas. A pessoa deve fazer um recipiente dentro de si que esteja preparado para conter a bondade Divina que lhe é devida. Cumprir mitsvot fornece o material e o know-how para construir o recipiente. Este é criado pelas mitsvot que são feitas para cumprir a vontade de D’us, não a nossa, mas a Dele . Ao anular a própria vontade, a pessoa cria um receptáculo vazio. E um receptáculo vazio tem mais espaço no qual as bênçãos podem ser canalizadas que um recipiente repleto ou parcialmente cheio.

O conceito de criar um recipiente para a bênção de D’us , acrescentando-se mitsvot ao repertório de mitsvot de alguém, ou cumprindo mais escrupulosamente uma mitsvá, é uma sugestão recorrente nos ensinamentos do Rebe. Mais que simplesmente "Você faz uma para mim e eu farei uma para Você", cumprir mitsvot cria um "tanque de mitsvot", e um "baú do Tesouro de Torá" que pode ser enchido com o bem ilimitado e bênçãos de D’us: Infinito e Ilimitado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rabi Hillel de Paritch sempre tinha na refeição Melave Malca (jantar da noite do sábado que se despede da Rainha Shabat) galinha que tinha sido recém-abatida, salgada e preparada naquela mesma noite.

Num determinado Shabat, ele estava convidado na casa do Rabino Chefe, Rav Yossef Tumarkin, em krementzug. Havia dois shochtim (abatedores rituais) na cidade, um da Lituânia e outro da Polônia. Rabi Hillel comia apenas as galinhas abatidas pelo chassid polonês.

Imediatamente após o Shabat, a Rebetsin providenciou o preparo de uma galinha. Infelizmente, o shochet polonês já tinha ido para o abatedouro, que ficava fora da cidade.

A Rebetsin estava num dilema. Ela sabia que Rabi Hillel era conhecido por comer somente carne abatida pelo shochet polonês. Por outro lado, ela não queria voltar para casa de mãos vazias. "meu marido" – refletiu ela – "é o Rav local. Se ele confia no outro shochet, somente desta vez, terá de servir também para Rabi Hillel." Rapidamente, ela encomendou a galinha no shochet lituano, e logo a mesa estava posta para a refeição de Melave malca.

Quando a galinha foi servida, Rabi Hillel cheirou-a ligeiramente e deixou sua porção de lado, sem tocá-la. O Rav percebeu que havia algo errado com a galinha, e voltou-se rapidamente para sua esposa. "Houve um problema haláchico com a cashrut da galinha?" perguntou ele.

"De modo algum" – assegurou ela. Chamando o marido de lado, ela explicou o que tinha acontecido. "Evidentemente, Rabi Hillel tem sua maneira de saber que esta galinha não foi abatida por seu shochet habitual."

O Rav voltou-se então para o convidado, relatando o que tinha acontecido e pedindo-lhe para explicar sua relutância em usar uma ave abatida pelo shochet lituano. "Se de fato ele não é confiável, então eu também não deveria estar comendo galinhas abatidas por ele."

"Ele é um shochet competente" – replicou Rabi Hillel. "No entanto, certa vez eu o escutei falar desrespeitosamente sobre um erudito de Torá. Portanto, não como nada que tenha sido abatido por ele."

O Rav conhecia o erudito ofendido. "De que maneira o shochet pode expiar por esta tolice? O homem que ele envergonhou já faleceu."

"Ele deveria reunir dez pessoas para acompanhá-lo ao cemitério e pedir perdão ao pé do túmulo. Depois disso, não haverá mais dúvidas sobre seu abate e eu também passarei a confiar nele."

De A Mesa de Shabat do Meu Pai, por Rabi Yehudah Chitrick

 

Sem subornos

 
 
por Michael Alterman
 
 
 

A Torá ordena, no início da porção desta semana, que é proibido para um juiz aceitar qualquer suborno, como explica o versículo: "O suborno cegará os olhos do sábio e distorcerá as palavras do justo" (Devarim 16:19). 

Rashi comenta ainda que esta injunção aplica-se a todos os casos a qualquer tempo, mesmo se o juiz ainda planeja julgar o caso corretamente. Tal lei, entretanto, parece difícil de entender, pois se uma pessoa tem certeza absoluta de que o suborno que está aceitando não terá efeito adverso algum sobre seu julgamento, então por que não lhe seria permitido aceitar um presente de um litigante? O que está errado em receber algum dinheiro "por fora"?

Para responder a isso, o Talmud (Tratado Ketubot 105b) oferece uma profunda introvisão na psicologia humana. Nossos Sábios ensinam que assim que a pessoa aceita um suborno, sua opinião automaticamente inclina-se a favor do argumento daquele litigante, a tal ponto que torna-se praticamente impossível permanecer emocionalmente isento. Com efeito, o juiz e o litigante tornam-se uma só pessoa, pois seu raciocínio e opiniões estão intrinsecamente ligados. De repente, o juiz fica incapaz de ouvir o outro lado da questão, pois tornou-se pessoalmente envolvido no caso. Como resultado, mesmo se o juiz pretende realmente decidir de forma correta, pois é incapaz de enxergar a si mesmo como culpado, achará muito mais difícil decidir contra a pessoa que pagou-lhe o suborno. O juiz tornou-se cego.

À primeira vista, a pessoa pode pensar que isso tudo é muito interessante mas totalmente desconectado com a vida cotidiana e as decisões comuns tomadas por pessoas normais. Pode-se pensar que apenas juízes e aqueles de grande influência precisam preocupar-se com problemas de nível tão elevado. Entretanto, nada poderia estar mais longe da verdade. Quando tentamos tomar decisões em nossas próprias vidas, enfrentamos preconceitos debilitantes similares, que nos cegam à adoção de novas idéias que poderiam aplicar-se àquilo que estivemos fazendo até agora. Deixamos de considerar se estamos ou não agindo corretamente, pois é sempre mais fácil manter o status quo.

Nesta maneira auto-destrutiva, nosso conforto com a situação já estabelecida nos "suborna" a decidir não fazer quaisquer melhoramentos em nossa personalidade e comportamento, antes mesmo que possamos considerar seriamente esta idéia.

Acabamos de entrar em Elul, o mês hebraico que precede Rosh Hashaná. É um período designado para introspecção e teshuvá, um mês no qual devemos considerar cuidadosamente o que realizamos no ano que passou, e o que esperamos realizar no futuro. É tempo de abrirmos os olhos em busca da verdade, de afastar todos os preconceitos e obstáculos que nos impedem de pensar claramente. Com isso em mente, estaremos adequadamente preparados de começar de novo no ano vindouro, e sermos capazes de empenharmo-nos muito além dos "subornos" que tão drasticamente impedem nosso crescimento espiritual.

Sejamos juízes de nós mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mordechai e o Báal Shem Tov

OO Báal Shem Tov tinha um jovem discípulo, Mordechai, que tinha um desejo ardente de estudar bruxaria. Obviamente, Mordechai sabia que segundo os ensinamentos judaicos, a prática e estudo de qualquer tipo de feitiço ou bruxaria é totalmente proibido. Porém a má inclinação de Mordechai levou a melhor, e ele ficou convencido de que deveria deixar o ambiente sagrado do Báal Shem Tov e começar uma nova vida.

Mordechai tinha planejado passar um último Shabat com seu mestre, o Báal Shem Tov, antes de deixar a ele e seus companheiros chassidim para sempre.

Naquela sexta-feira à noite Mordechai rezou, cantou, comeu e ouviu as palavras da Torá que brotavam dos santos lábios do Báal Shem Tov. Porém a mente de Mordechai estava totalmente longe dali. Ele já estava muito distante, com o grupo de feiticeiros que tinha contactado e combinado encontrar na manhã seguinte.

De repente, Mordechai sentiu muito calor. Removeu seu chapéu de peles, mas ainda se sentia desconfortável. Desabotoou o colarinho da camisa e tirou o longo sobretudo preto que usava. Ainda assim, estava transpirando profusamente. Mordechai olhou pela janela e viu que o vento gelado do inverno soprava uivando no meio das árvores, e um tapete espesso de neve cobria o chão lá fora. Mas aqui dentro, ele estava suando e sentia como se estivesse a ponto de desmaiar.
"Creio que devo ficar um pouco lá fora" – disse ele ao Báal Shem Tov. "Preciso de ar fresco."

"Fique só um minuto, não mais" – respondeu o Báal Shem Tov – "pois está perigosamente frio lá fora."

Já estava ficando difícil para Mordechai respirar; ele abriu a porta e saiu. "Mais um minuto e eu certamente teria desmaiado" – pensou Mordechai consigo mesmo. De repente, sentiu calor outra vez. Começou a correr e o vento cortante o refrescava. Correu e correu como um louco pelo meio da floresta. As árvores, as estrelas, a lua estavam correndo e rodopiando com ele. E então, de súbito, tudo ficou negro.

Ele acordou num local estranho. Um velho fazendeiro e sua esposa estavam se debruçando sobre ele. "Pensamos que estivesse morto quando o encontramos caído na neve" – disse ele. "Você dormiu por mais de uma semana. Sente-se bem? Gostaria de um pouco de sopa quente? De onde veio?"

Mordechai de nada se lembrava, mas aceitou a sopa. Em poucos dias, já sabia como manejar o arado. Aos poucos, a fazenda começou a mudar; novos trabalhadores foram contratados, novos campos adquiridos e cultivados, e cinco anos depois a fazenda simples estava transformada numa imensa propriedade. 

Certo dia, o velho fazendeiro voltou de uma viagem à cidade e mostrou ao jovem um cartaz que pegara no correio. "Estão procurando novos oficiais para o exército" – disse ele – "e creio que você deveria se candidatar; é a sua chance de ser alguém realmente importante. Olhe só para os milagres que fez aqui. Não desperdice sua vida nesta fazenda; está na hora de seguir em frente."
O jovem adaptou-se ao exército como um peixe na água. Passou brilhantemente nos exames de admissão, e após dois anos de treino como oficial, quando irrompeu a guerra entre seu país e a Polônia, ele tornou-se capitão da Cavalaria Real.

Seriam necessários muitos capítulos para descrever as ferozes batalhas e os corajosos feitos de nosso herói, seus inumeráveis encontros com a morte, seu espírito destemido, as decisões tomadas no último instante, e as impressionantes vitórias contra todas as dificuldades. Cinco anos mais tarde, ele já tinha sido promovido à patente de General, e estava sentado sobre seu belo cavalo, passando em revista os dez mil lanceiros montados sob seu comando, quando subitamente, do nada, ele se lembrou… daquela noite, há doze anos, quando deixara a mesa do Báal Shem Tov!

Parou durante alguns minutos, imerso em pensamentos, recordando cada fato com riqueza de detalhes, e todas as emoções que na época tinham passado por sua mente. Voltou a si de repente, e anunciou: "Desmontem! Voltem para suas tendas e se preparem para viajar. Em uma hora daremos início a uma marcha de três dias!"

Três dias depois, já era tarde da noite quando o exército chegou à floresta que circundava a pequena sinagoga do Báal Shem Tov. O General voltou-se para os soldados e gritou: "Acendam suas tochas!"
A floresta inteira foi inundada com uma luz feérica e bruxuleante. "Desembainhar espadas!" O tinir das espadas e o brilho das lâminas estavam em toda parte.

O General desmontou, aproximou-se da pequena sinagoga, segurou a espada e começou a bater com ela na porta fechada. "Abra em nome do Rei! Veja o que acontece com um chassid que abandona o sagrado Mestre!"

Ninguém respondeu, mas ele ouviu alguém falando dentro da casa, e ficou furioso. Enfiou a espada no chão e irado, começou a bater na porta com os dois punhos, gritando: "Abra! Abra para um General do exército do Rei!"

Lentamente, a porta se abriu, o Báal Shem Tov colocou a cabeça para fora e disse: "Mordechai, você ficou fora por quase cinco minutos! Quer ficar doente? Entre agora mesmo!"

"Cinco minutos?" esbravejou o General. "Olhe para minhas tropas e me fale sobre cinco minutos!" Voltou-se e… não havia ninguém ali. Até seu cavalo tinha desaparecido! O vento uivava por entre as árvores e uma camada alta de neve cobria a floresta silenciosa. Até seu uniforme e a espada tinham sumido! Ele vestia as mesmas roupas que usara há doze anos… fora tudo uma ilusão.
Mordechai reentrou humildemente na sinagoga e no mundo do Báal Shem Tov, percebendo que nenhuma mágica ou bruxaria era tão forte como os poderes do Báal Shem Tov, que derivava da santidade.

 

Verdade e conseqüências

 
 
por Rabi Herbert J. Cohen, PhD.
 
 
 

"Atire a primeira pedra" é a ordem dada à testemunha que depõe em um caso de pena capital. Na porção desta semana da Torá, aprendemos que se a pessoa dá testemunho que garante a imposição da pena de morte por apedrejamento, então a própria testemunha torna-se o executor (Devarim 17:6-7). Ele cumpre parte da pena de morte atirando a primeira pedra. Por que é assim?

A resposta talvez esteja em nosso entendimento de como um judeu estudioso e cumpridor da Torá deveria agir e pensar. A lei judaica nos diz que se alguém tem provas em um caso de crime capital, é seu dever adiantar-se à corte e contar aquilo que sabe. Entretanto, esta evidência deve ser incontroversa. Deve estar absolutamente certo da verdade de sua declaração, não apenas porque suas palavras condenarão, como também terá que agir baseado em seu testemunho.

Portanto, a testemunha é intimamente compelida a pesar cuidadosamente suas palavras, para ter certeza de que aquilo que diz representa aquilo que viu. A testemunha não poderá depor e depois afastar-se, indiferente às conseqüências de suas declarações. Precisa entender no âmago de seu coração que suas palavras terão um efeito cuja repercussão vai muito além do tribunal. 

O que a Torá está nos dizendo implicitamente é que temos de ser extremamente cautelosos antes de acusar alguém de algo errado. Nossos Sábios dizem-nos para sermos "deliberados no julgamento" (Pirkê Avot 1:1). Eles nos encorajam a sermos lentos em condenar. Não julgue rapidamente, pois uma declaração que tenhamos entendido erradamente pode causar dano irreparável a outra pessoa. 

Que sejamos extremamente cuidadosos quanto à veracidade daquilo que falamos, e consideremos as conseqüências de nossas declarações.

 

Todo mundo é húngaro

 

 

por Nechama Gara

 

Eu vim da Hungria, um pequeno país na Europa Central. Há um antigo ditado húngaro: "Todo mundo é húngaro." 
É verdade! Se você procurar a fundo no passado de sua família, tenho certeza de que encontrará uma avó húngara, ou um bisavô, ou pelo menos um amigo que tem alguma conexão com meu país. Portanto, agora que você entende que somos realmente da "família", tenho certeza de que ficará interessado em ouvir o que esta jovem judia húngara tem a dizer, e como eu cheguei a Nova York vinda da Hungria.

Cresci de maneira totalmente não religiosa. Nunca observávamos coisa alguma, nem mesmo os Grandes Feriados. Eu tinha cerca de 15 anos quando percebi por completo que era judia. Até então, eu tivera algum senso de ser "diferente". Eu sabia, por exemplo, que ao final da Segunda Guerra minha mãe e o pai dela estavam na lista negra e quase foram levados. Embora eu tivesse ouvido esta história muitas vezes, não entendia realmente o que aquilo significava. O Judaísmo era algo sobre o qual jamais conversávamos. Nem mesmo hoje, minha mãe admite ser judia.

Durante anos e anos, nada tive a ver com o Judaísmo, e todo meu conhecimento foi adquirido por meio de filmes. Há cerca de quatro anos, senti vontade de aprender um pouco mais sobre o assunto. Porém passaram-se mais dois anos antes que eu transformar aquele desejo em ação concreta, e começasse a ler livros sobre o Judaísmo. O "momento decisivo" ocorreu quando descobri que há um Beit Chabad em Budapeste. Lá oferecem diversos tipos de aulas sobre uma variedade de tópicos. Comecei a freqüentar as aulas de Cabalá nas noites de terça-feira. Um mês depois, na metade de julho, fui à Casa de Chabad para um Shabat. Era a primeira vez na minha vida que eu assistia a um serviço e fazia a primeira refeição de Shabat, convidada na casa de meu professor, Rabi Shlomo Sherman.

Desde o momento em que decidi ir até chegar no Beit Chabad para o Shabat, estava muito ansiosa. Tinha este medo dentro de mim, como se estivesse fazendo algo de errado ao ir à sinagoga, e me preocupava com o que as pessoas diriam se soubessem que eu estava indo. 

Fiquei tão empolgada que meu coração começou a bater depressa demais, e precisei tomar um remédio para me acalmar. Graças a D’us, este foi o único incidente negativo! O serviço foi lindo e a refeição estava deliciosa. Pela primeira vez, ouvi o kidush recitado sobre o vinho, lavei minhas mãos na maneira prescrita antes de comer o pão. Lembrei-me até de não apagar a luz no banheiro depois de usá-lo, pois era Shabat e não se pode acender ou apagar luzes neste dia especial.

Lenta mas firmemente, comecei a cumprir mitsvot (mandamentos). Então, em dezembro último, Rabi Baruch Oberlander, diretor do Chabad na Hungria, perguntou-me se eu queria ir para Nova York estudar Torá. Pedi a meu chefe no trabalho uma licença não remunerada de dois meses. 
Embora eu tivesse Mestrado em Literatura Inglesa, estava trabalhando como gerente de escritório.

Pensei que dois meses seriam o tempo exato para umas férias de estudo de Torá. Porém meu chefe recusou-se a conceder este tempo. Agora eu tinha de decidir se conservava meu emprego bem pago, ou se me demitia e deixava tudo para trás. Enquanto tentava tomar uma decisão, estava lendo um livro chamado Aproximando o Céu da Terra, de Rabi Tzvi Freeman, uma coleção da sabedoria do Rebe. Naquele livro, encontrei algo que me ajudou a decidir. "Não há lugar para preocupação. Você tenta decidir um curso de ação. Se você não tem a experiência necessária para decidir, peça conselho a alguém que tenha – pai, um professor, um especialista – alguém de confiança, mas que esteja também consciente sobre o seu caminho espiritual.

"Uma vez que tenha tomado a decisão sobre o caminho a seguir, siga-o, e confie em D’us, pois está fazendo o que acredita ser a coisa certa. Ele cuidará para que tudo corra bem."

Eu queria estudar Torá mais a fundo, e sabia que teria de deixar meu emprego e a Hungria para poder fazê-lo. Já tomara minha decisão e comecei a fazer os preparativos. Às vezes você precisa se esforçar para fazer o que quer, e isso a faz questionar se está ou não fazendo o que é certo. Porém às vezes as coisas acontecem tão facilmente que você sabe que tomou a decisão correta. E isso foi exatamente o que aconteceu comigo.

Por exemplo, todos diziam que eu teria de esperar pelo menos meia hora quando telefonasse para a Embaixada Americana, mas eles atenderam de imediato. Disseram que eu teria de esperar duas ou três semanas por uma entrevista, mas consegui a minha no prazo de uma semana. Eu soube também que seria difícil conseguir o visto (uma verdade, pois cerca de 80% das pessoas são recusadas), mas consegui o meu após uma breve entrevista. Mais ou menos na mesma época recebi meu primeiro cartão de crédito, portanto pude pagar minha passagem aérea. Tudo correu tão bem que eu sabia que estava destinada a ir para os Estados Unidos.

Durante as primeiras semanas de minha estada, eu me sentia como se estivesse num filme. Tudo aquilo que eu vira no cinema – os semáforos, os carros da Polícia de Nova York, táxis amarelos, etc. – tudo aquilo era real! Tudo era tão diferente de tudo que me era familiar na Hungria – as pessoas, as lojas, a comida. Até o caixa automático funcionava de modo diferente. Levei quase vinte minutos para conseguir usá-lo pela primeira vez.

Acostumei-me a Nova York e me apaixonei pelo estudo de Torá na Escola Machon Chana. As aulas são excelentes, os professores melhores ainda, e há muitas jovens com o mesmo desejo de aprender que eu tenho.

Originalmente, eu estava planejando ficar nos Estados Unidos por dois meses, mas já estou aqui por seis meses, e ainda não marquei minha viagem de volta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Versículo 16:18

   
 

Ao nível pessoal, teus portões refere-se aos sete portões sensoriais da pequena cidade que é o corpo humano, seus sete pontos de contato com o mundo exterior. Uma pessoa deve apontar juízes e executores da lei mentais sobre seus olhos, ouvidos, narinas e boca, para julgar, ponderar, e filtrar os estímulos desejáveis e construtivos dos negativos e destrutivos.

Rabi Shabtai HaCohen (o "Shach")

 

 

   
 

Quem é o chefe 

Um chassid certa vez procurou Rabi DovBer, o "Maguid" de Mezeritsh. "Rebe," disse ele, "existe algo que não entendo. Quando o Todo Poderoso nos ordena fazer algo ou proíbe um determinado ato, entendo. Não importa quão difícil possa ser, não importa o quanto meu coração deseja fazer a ação proibida, posso fazer o que D’us deseja ou abster-me de cometer aquilo que é contra Sua vontade. Afinal, o ser humano tem livre arbítrio e pela força de vontade pode decidir o que fará e assim fazê-lo, não importa o quê. O mesmo se aplica às palavras. Embora de certa maneira mais difícil de controlar, entendo que está em minhas forças decidir que palavras sairão de minha boca e quais não.

"Mas o quê não entendo são aqueles preceitos que governam os assuntos do coração; por exemplo, quando a Torá nos proíbe de sequer acalentar um pensamento que seja destrutivo ou errado. O que pode fazer a pessoa quando estes pensamentos penetram sua mente por si mesmos? Pode alguém controlar seus pensamentos?"

Ao invés de responder às dúvidas do chassid, Rabi DovBer despachou-o para a aldeia de Zitomir. "Vá visitar meu discípulo, Rabi Zev," disse. "Apenas ele pode responder sua pergunta."

A viagem foi feita no apogeu do inverno. Durante semanas, o chassid seguiu seu caminho pelas estradas que serpenteavam através das florestas cobertas de neve da Ucrânia. Meia-noite há muito tinha passado quando o abatido viajante chegou aos degraus da casa de Rabi Zev. Para sua agradável surpresa, havia luz nas janelas do escritório do erudito. De fato, a janela da casa de Rabi Zev era a única acesa em todo o povoado. Através de uma fresta nas venezianas, o visitante pôde ver Rabi Zev curvado sobre os livros.

Porém sua batida à porta não teve resposta. Esperou um pouco, depois tentou novamente, com mais força. Mais uma vez, foi ignorado por completo. O frio começava a infiltrar-se em seus ossos. A noite passava, e a cena que se via era tão incrível quanto verdadeira: o visitante, com nenhum outro local para ir, continuou batendo na madeira congelada da porta de Rabi Zev; este, a escassos metros dali, continuava a estudar próximo à lareira, aparentemente ignorando os apelos que ecoavam na noite congelante.

Já era quase dia quando Rabi Zev levantou-se da cadeira; abriu a porta e saudou calorosamente o visitante. Acomodou-o perto do fogo, preparou-lhe uma xícara de chá quente, perguntando sobre a saúde do Rebe. Conduziu o hóspede então – mudo ainda pelo frio e a incredulidade – ao melhor quarto da casa para que descansasse os ossos exaustos.

A recepção calorosa não diminuiu na manhã seguinte, nem na próxima. Rabi Zev era o mais solícito dos anfitriões, atendendo às necessidades do hóspede de maneira exemplar. O visitante, por sua vez, era um convidado modelo, respeitoso e cheio de consideração para com o erudito de mais idade. Se alguma apreensão ainda pairava sobre a "recepção" da outra noite, ele a guardava para si mesmo. 

Após desfrutar da soberba hospitalidade de Rabi Zev por vários dias, o visitante havia se recobrado o suficiente da jornada e das dúvidas para apresentar suas perguntas. "O objetivo de minha visita," disse ele ao anfitrião certa noite, "é fazer-lhe uma pergunta. Na verdade, o Rebe mandou-me aqui, dizendo que apenas o senhor poderia responder-me satisfatoriamente."

Começou a esboçar seu problema, como o fizera anteriormente ao Maguid. Quando terminou, Reb Zev assim falou: "Diga-me, meu amigo, um homem é menos dono de si mesmo do que é de sua própria casa?

"Veja, dei-lhe a resposta na própria noite de sua chegada aqui. Em minha casa, sou o chefe. Aquele a quem desejo receber, permito que entre; aquele a quem não desejo receber, não permito."